A noite que não deveria ter acabado.
Quantas vezes na vida podemos dizer que participamos de algo fantástico? Que estávamos presentes em momentos únicos que ficarão guardados em nossa memória para sempre? Pois foi exatamente essa a sensação que eu senti algumas semanas atrás. A Confraria dos Prazeres se reuniu mais uma vez para comer e beber bem; o tema da noite era “Trufas Brancas do Piemonte”.
Mas afinal, o que é essa tal de Trufa? Se realmente existe uma iguaria que pode ser chamada de “dos deuses”, esse produto é a trufa. Brillat-Savarin dizia que as trufas são “pérolas da cozinha”. Os primeiros registros de sua existência e utilização datam de 3.000 AC. Os impérios grego e romano já a utilizavam com regularidade na cozinha.
A trufa é um cogumelo que nasce e se desenvolve sob a terra em simbiose com as raízes de determinadas árvores (carvalho, salgueiro álamo e tílias). Ainda não se conhece todo o seu processo de desenvolvimento. Acredita-se que não pode ser cultivada (pelo menos a italiana, mais rara). Existem cerca de 70 variedades, sendo que as duas mais importantes são: a branca (Tuber magnatum) e a negra (Tuber melanosporum).
O período de colheita da trufa branca do Piemonte vai de Outubro a Novembro e da trufa negra do Périgord (Provence) vai de Novembro a Março. Para se ter uma boa safra de trufas é necessário que haja chuvas abundantes entre o final do verão e início do outono. Interessante é o fato desse clima ser o inverso do desejado para os vinhos, portanto, vale a máxima “Tartufo buono, vino cattivo”, ou seja, “boas trufas, vinho medíocre”. Como não existe o cultivo, as trufas devem ser encontradas. Para tanto, utiliza-se cachorros especializados que valem fortunas e que recebem treinamento numa “universidade para cães” em Alba.
Devido ao fato dela ser muito difícil de encontrar e não pode ser cultivada (até agora), ela se tornou objeto de desejo de muitos gourmets e chefs, elevando seu valor a níveis estratosféricos (aprox. U$ 4.000,00 o quilo da trufa branca). É complicado explicar os aromas e sabores da trufa. Ela é única. Podemos dizer de forma simplista que seu aroma “in natura” é uma mistura de gás de cozinha com alho fresco; depois de manipulada pode apresentar nuances de queijo de cabra, funghi, chocolate, manteiga, cera, noz-moscada e tantos outros.
As melhores regiões produtoras de trufas são:
Piemonte (Itália) – Trufa Branca (a melhor que existe);
Toscana (Itália) – Trufa Branca e Negra (muito boa);
Outras regiões italianas – Trufa Branca e Negra (regular);
Provence (França) – Trufa Negra (muito boa);
Catalunha (Espanha) – Trufa Negra (regular).
Para sorte da confraria, um dos nossos companheiros estava na Europa quando foi aberta a temporada da trufa branca de Alba. Após consultar as bases da confraria, nosso fiel escudeiro estava trazendo quase meio quilo da mais desejada iguaria do mundo. “Il Tartufo Bianco è Arrivato”.
A noite que não deveria ter acabado aconteceu no restaurante Miro. O Chef Luciano soube executar com maestria as receitas tradicionais que exprimem o que há de melhor nas trufas brancas.
Dois pratos soberbos foram elaborados. O primeiro, um tagliatelli de ovos na manteiga clarificada, recebeu generosas lascas de trufas que foram misturadas para “quase” cozinharem na pasta quente. Um aroma indescritível tomou conta do salão do restaurante, o riso infantil era geral nos rostos dos confrades, voltamos a ser crianças e aquele era o presente mais esperado do Papai Noel. O segundo prato, o tradicional “risotto piemontese”, surpreendeu ainda mais. Como tínhamos “pepitas” suficientes, exageramos na quantidade de lascas que foram depositadas sobre o risoto. Essas lascas caíram como neve sobre o arroz quente e logo foram incorporadas pelo mesmo. Nada pode descrever a sensação, os aromas e sabores daquele prato.
Os vinhos que nos acompanharam nessa maravilhosa noite foram: Espumante Brut Champenoise (Marson), Dolcetto d’Alba 2003 (Renato Ratti), Barbaresco 1998 (Marchesi di Barolo) e o Tinto da Ânfora Grande Escolha 2001 (JP Vinhos). Todos estavam magníficos. E assim terminava uma noite que nunca deveria ter acabado.
Até a próxima.
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Por: André Monteiro
Editado e publicado por: Maicon Santos
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