É incrível o que aconteceu no mundo dos vinhos em São Paulo nos últimos anos. Três décadas atrás, rótulos importados eram vendidos somente em raras lojas especializadas ou em supermercados de luxo. Degustações? Ninguém sabia o que era isso. Cursos para ensinar o bê-a-bá de tintos e brancos? Não existiam. Restaurantes preocupados com a adega? Quase nenhum. “Salvo exceções como o Fasano, o Ca’d’Oro e o La Casserole, na maioria dos lugares o que se consumia mesmo era o vinho de cantina, aquele chianti com garrafa de palha”, lembra o enólogo Ennio Federico.
Desde a reabertura das fronteiras comerciais, no início dos anos 90, uma revolução se espalhou pela cidade e atingiu recentemente dimensões impressionantes. O interesse do paulistano pela bebida cresceu tanto que todos os dias, durante o ano inteiro, são realizados cursos, palestras e degustações. Somando o catálogo de apenas três importadoras chega-se à marca de 6.000 vinhos diferentes nas prateleiras.
Rótulos do Uruguai, da Alemanha, da Austrália e da África do Sul – além, é claro, de franceses, espanhóis, italianos, portugueses, chilenos, argentinos, californianos – podem ser encontrados em supermercados como Carrefour e Pão de Açúcar. Restaurantes de vários estilos e faixas de preço passaram a oferecer cartas caprichadas. “As pessoas deixaram para trás a idéia errada de que vinho é coisa de experts ou de endinheirados”, diz o crítico Saul Galvão, autor do livro Tintos e Brancos.
O velho (e horrível) vinho alemão de garrafa azul saiu das mesas para dar lugar a rótulos melhores – e não necessariamente mais caros. Em 1990, entraram no país 18 milhões de litros da bebida. A metade disso vinha da Alemanha. Passados onze anos, o consumo aumentou: em 2001, o Brasil importou 27 milhões de litros – destes, não mais que 3% eram de procedência alemã. Os atuais campeões de vendas entre os importados vêm da Itália, do Chile e de Portugal.
“As pessoas ficaram mais exigentes”, acredita Ciro Lilla, dono da Mistral, importadora que começou com trinta rótulos e hoje exibe um catalogo com mais de 2.500. “O consumidor quer beber bons vinhos a preços honestos”, afirma o importador Celso La Pastina.
A variedade de rótulos no mercado é tão grande que os próprios especialistas ficam tontos. Para orientar quem está engatinhando no assunto, a cidade conta com uma boa variedade de cursos. Em dois dias, dá para aprender o básico e se sentir mais confiante na hora de escolher uma garrafa.
“As aulas não tem frescura e servem para acabar com o mito de que vinho é algo difícil de entender”, afirma Arthur Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). Sem vínculo com importadoras, a entidade promove cursos de vários níveis. Começou com algumas aulas anuais para pequenos grupos. Em 1997, conseguiu organizar seis cursos. Hoje, são cerca de 1000 vagas por ano, todas preenchidas. Algumas degustações têm fila de espera, comemora Azevedo.
Situação parecida ocorre na Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (Sbav), que ministra cursos a oito anos. Inicialmente, tinha um único encontro anual. Agora, reúne seis turmas de cinqüenta pessoas. “Gosto muito de vinho, mas me sentia ignorante”, diz o publicitário Ricardo John, de 24 anos. Na semana passada, ele e mais 34 inscritos assistiam a uma das aulas da Expand. A importadora criou, em janeiro, o programa Wine Education. Das poucas palestras que aconteciam na filial do Shopping D&D, a empresa passou a promover cursos em oito lojas.
O surpreendente é que, entre nossos alunos, há cada vez mais mulheres e jovens, revela Aguinaldo Záckia Albert, presidente da Sbav.
A nova geração de apreciadores de vinho tem contribuído para popularizar uma antiga mania dos apreciadores da bebida: as confrarias. Foi-se o tempo em que elas eram formadas apenas por milionários de meia-idade. Em São Paulo, algumas confrarias ficaram famosas, como a do restaurante Santo Colomba, onde o empresário Jorge Yunes encontra amigos para provar garrafas de preços estratosféricos, ou a do ex-senador Gilberto Miranda, que às vezes se reunia no Fasano para degustar vinhos de 500 dólares para cima. Nas associações mais jovens, o objetivo e divertir e tomar bons vinhos de preços razoáveis. É o que faz semanalmente um grupo de doze colegas que incluir o empresário Alexandre Iódice, de 31 anos, e Mathieu Péluchon, de 27, diretor da importadora Terroir. A cada reunião, escolhem um restaurante diferente.
Colocamos o papo em dia e aproveitamos para nos aprofundar no assunto, diz Alexandre, filho do também enófilo e empresário de moda Waldemar Iódice.
Diante de clientes mais informados, os restaurantes paulistanos tiveram de melhorar as cartas e o serviço. Desconhecido no passado, o vinho em taça agora pode ser pedido até em bares. “Para checar se a bebida está boa, veja onde a garrafa aberta fica guardada”, recomenda Azevedo, da ABS.
Fonte: Revista Veja SP.
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