A Merlot é uma das castas viníferas mais cultivadas no mundo e detêm enorme prestígio. Mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo era conhecida apenas como “a outra tinta de Bordeaux”; a Cabernet Sauvignon reinava absoluta. Essa percepção mudou a partir de 1980 quando começaram a surgir os vinhos do Novo Mundo.

Originária da região de Bordeaux, a Merlot é descendente da Cabernet Franc e meia irmã da Carmenère e da Cabernet Sauvignon. Essa extrema semelhança com a Carmenère foi responsável pela confusão entorno dos vinhedos chilenos nos anos 1980. A Merlot é uma uva misteriosa, os primeiros registros oficiais são muito recentes, apenas de 1784 em Bordeaux (Cotes de Libournais). Na Itália (Vêneto) ela é mencionada apenas em 1855 com o nome de “Bordò”. Segundo alguns estudiosos, seu nome “Merlot” ou “Merlau” provem de uma pássaro chamado “Merle” que costumava se deliciar com seus doces cachos.

A Merlot é a uva mais cultivada em Bordeaux (56%) e a terceira na França (atrás da Carignan e da Grenache). Na margem direita de Bordeaux (St. Émilion e Pomerol) ela domina amplamente, enquanto na margem oposta, ela corresponde no máximo a 25%, com maior destaque na sub-região de St-Estephe.

Características

A Merlot é uma uva controversa que gerou, e ainda gera muita discussão. Isso porque não existe consenso sobre o cultivo, tempo de maturação e ponto ideal de colheita. Existem duas orientações distintas. A primeira, encabeçada pelo enólogo Michael Rolland, diz que a uva deve ser colhida o mais tarde possível, concentrando os açucares e a maturação fenólica. A segunda, comandada por Christian Moueix e Jean-Claude Berrouet (Petrus) alega que a colheita tardia prejudica a acidez, supervaloriza os aromas frutados deixando os vinhos pesados, carnudos em detrimento da elegância, frescor e longevidade.

Como se isso não bastasse, também não existe acordo quanto aos aromas e sabores típicos da Merlot. Toda essa questão gerou uma crise de identidade. Afinal de contas, o que deveríamos (e não o que gostaríamos) esperar de um vinho com a casta Merlot?

Em linhas gerais, podemos dizer que a Merlot é uma casta que apresenta cachos de tamanho médio com aproximadamente 120 bagos, de formato cilíndrico, alado, solto, com pedúnculo fino, longo e lenhoso na inserção. Sua cor é azul-negra-violácea menos intensa, resultando num vinho rubi-violáceo quando jovem, evoluindo para um rubi-atijolado. Seus bagos possuem pele mais fina com menos pigmento, tanino e menor acidez. Em contrapartida, apresenta mais açucares, consequentemente, mais álcool. É também mais suave, carnuda e aromática.

É uma casta de maturação rápida. Em Bordeaux, por exemplo, amadurece em média 02 semanas antes das Cabernets. Isso lhe garante fama de “colheita segura”, escapando das perigosas chuvas durante o período de colheita. Ela se adapta bem a climas mais frios (em comparação com a Cabernet Sauvignon) com solos mais rochosos, áridos, argilosos e ferrosos.

Os aromas primários mais encontrados são: frutas pretas (ameixa, jabuticaba e groselha negra), herbáceos (chá, orégano, alecrim, azeitonas e húmus), especiarias (canela, cravo e noz-moscada), outros (tabaco, cogumelos e couro). Quando o vinho estagia em madeira, surgem novos aromas: caramelo, baunilha, coco, bala toffe, chocolate, café, torrefação, tostado, cedro, esfumaçado, nozes e figo seco.

Na boca, a principal característica é a textura macia, sedosa e aveludada; com acidez e álcool equilibrados em corpo médio; e taninos redondos. Os aromas de boca mais presentes são os de frutas pretas, herbáceos e algum sumo de carne. O uso de madeira pode ser benéfico. Porém muitos produtores não utilizam carvalho novo para não perder (“matar”) a elegância da uva.

Aromas

  • Frutas Pretas;
  • Chocolate;
  • Figo Seco;
  • Tabaco;
  • Chá;
  • Canela.

Assim como a maioria das uvas tintas, a Merlot pode ser apresentada sozinha (varietal) ou em corte (assemblage). Em ambos os casos, ela dá origem a vinhos mais redondos, aveludados e estruturados. Normalmente, o tempo de guarda é bem vindo para essa uva, porém, seus vinhos podem ser degustados mais jovens. Quando em corte, ela é responsável por arredondar, harmonizar e dar mais elegância ao conjunto.

Principais Regiões

Apesar de ser originária da região de Bordeaux, a Merlot pode ser encontrada em praticamente todos os países produtores. Apenas as zonas mais quentes não são recomendadas. Dessa forma, as principais regiões são:

França, Bordeaux (margem direita) – Destacadamente as sub-regiões de St-Émilion (60%) e Pomerol (80%). Produz os vinhos mais emblemáticos, históricos, é a melhor expressão;

França, Bordeaux (margem esquerda) – Destacadamente a sub-região de St-Estephe. Produz vinhos elegantes em típico corte bordalês (Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e menores proporções de Petit Verdot, Malbec e Carmenère). Devido ao assemblage, os vinhos demoram mais para ficarem prontos e são mais longevos;

França, Bordeaux (outras regiões) – Produz vinhos menos complexos, mas com grande qualidade. Excelentes para se degustar sem ter que gastar fortunas;

França, Languedoc – Produz vinhos menos complexos e prontos para beber. Podemos dizer que são Merlots para o dia a dia;

Itália, Nordeste – Vinhos elegantes, diferentes e prontos. Mas a qualidade varia muito, assim sendo, é necessário prestar atenção ao produtor. A melhor região é o Friuli, onde os vinhos são varietais;

Itália, Toscana – Vinhos de grife, produz alguns dos Supertoscanos. Normalmente entra em corte com a Sangiovese e com a Cabernet Sauvignon. A sub-região de Maremma se destaca;

Portugal, Setúbal – Vinhos deliciosos, redondos e poderosos, que podem ser degustados jovens ou guardados por alguns anos. Normalmente se apresentam varietal e com forte presença de madeira;

EUA, Califórnia – Vinhos estruturados, encorpados e longevos. Extremamente frutados e marcados pelas especiarias (varietais ou em corte). Alguns são fortes concorrentes dos melhores exemplares de Bordeaux. As melhores sub-regiões são: Napa Valley, Oakville, Stags Leap, Carneros, Mendocino, Dry Creek e Sonoma Valley;

Chile, Vale Central – Durante muito tempo se confundiu Merlot com a quase desaparecida Carmenère. Nessa época usava-se o termo “Merlot Chileno”. Hoje, após a distinção, sabemos que o Chile produz bons Merlots com um toque mais herbáceo e com madeira marcada. Vinhos encorpados e interessantes (varietais ou em corte);

Africa do Sul – Antes de 1980 não existia Merlot. O rápido crescimento foi impulsionado pelos excelentes resultados. Vinhos elegantes, potentes, alcoólicos e muito aromáticos. Pode ser varietal ou corte e já estão prontos para beber;

Austrália – Representa apenas 3% da produção de vinhos. Porém, produz vinhos diferentes, com pouca fruta e aromas mais terrosos (varietais ou em corte).

Grandes Merlots

  • Petrus;
  • Ch. Angelus;
  • Ch. Palmer;
  • Castello di Ama;
  • Ornellaia;
  • Matanzas Creek;
  • Seleni;
  • Spice Route;
  • Morgenhof;
  • Casa Lapostolle;
  • Clos Apalta;
  • Maculan;
  • Má Partilha.

Compatibilização

O Merlot é um excelente vinho para se tomar sozinho, sem acompanhamento de comida, pois é um vinho redondo, sedoso e aveludado.

Mas, devido as suas extraordinárias características, também podemos compatibilizá-lo com inúmeros pratos. É praticamente impossível relacionar todas as associações.

As principais são:

  • Terrines de especiarias ou ervas e patês;
  • Carnes semi-doces como: Pato, Ganso, Coelho;
  • Cozinha Tailandesa com pratos picantes e condimentados;
  • Cozinha Árabe: Arroz com lentilha, Kibe, Michui, Kafta, Shawarma, Mezzes, Sihil
  • Mahsi (abobrinha recheada com carne), dentre outros;
  • Cozinha Caseira ou Regional: Carnes de panela com vinho tinto (cassaroles),
  • Guisados, Panquecas e Gratinados;
  • Risotos: Funghi, Isca de carne, Gorgonzola ou Carne seca com abóbora;
  • Escalopes com molhos clássicos (Madeira, chateaubriand, champignons, roti e outros escuros);
  • Cozinha Italiana: Massas recheadas como: Capelletti in Brodo (de frango ou vitela).

Curiosidades

Em 1991, o programa americano de televisão, “60 Minutes”, levou ao ar uma reportagem comentando sobre o “Paradoxo Francês”. Segundo a reportagem, o paradoxo era baseado no fato dos franceses cozinharem com enormes quantidades de gordura (banha e manteiga) e, ao mesmo tempo, terem baixos índices de ocorrência de doenças cardíacas. A explicação dada era o alto consumo de vinho tinto que é rico em “resveratrol”, um agente químico que, entre outros benefícios, reduz o colesterol ruim. Imediatamente, o consumo de Merlot aumentou incrivelmente.

Relação dos vinhos degustados pela confraria:

  1. Morgenhof – Estate Merlot 2001 (África do Sul, Stellenbosch) – Preço de referência: R$ 98,00 (WS86)
  2. Volpe Pasini – Focus 2002 (Itália, Friuli) – Preço de referência: R$ 150,00 (Ricardo Cotarella)
  3. Château Carignan – Prima 2001 (França, Bordeaux) – Preço de referência: R$ 222,00 (WS88)
  4. Matanzas Creek – Merlot 1998 (EUA, Sonoma) – Preço de referência: R$ 220,00 (WS93)
  5. Delicato – Merlot 2005 (EUA, Sonoma) – Preço de referência: R$ 42,00 (WA86)

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Matéria de André Monteiro para a Confraria dos Prazeres.

Faremos a próxima degustação de vinhos da casta Tempranillo, uma uva originária do norte da Espanha. Também cultivada em Portugal, onde é conhecida como Aragonês e Tinta Roriz.

Até a próxima degustação!